segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Resumo do Sutra da Perfeição da Sabedoria que Corta como Vajra



O Sutra inicia-se com um questionamento do Venerável Subhuti ao Tathagata, acerca sobre qual deveria ser a morada e como deveria ser procedido o controle de uma mente iluminada. Buda o instrui, afirmando que se deve proteger e ter em mente todos os bodhisattvas e contemplá-los com a transmissão do Dharma. Diz que seus discípulos devem controlar as suas mentes, com o objetivo de encaminhar todos os seres sencientes ao Nirvana. Para concluir este raciocínio disse que se fosse possível apontar uma infinidade de seres que conseguissem transpor o Samsara, este fato seria uma inverdade, assim como qualquer tentativa de contextualização de um “eu” ou mesmo de um “ser vivente” e até a definição do “tempo de vida”, pois estas tentativas de descrições não são consonantes ao verdadeiro Dharma e não extraem o sentido profundo do vazio.
Se houvesse estas tentativas de algum bodhisattva, estas ações destituiriam o mesmo proponente por apresentar uma superficialidade no intento de equiparar o incondicionado ao condicionado. Exemplifica por via de um diálogo que os espaços que enxergamos em alguns pontos cardiais são imensuráveis, tal como o mérito deve ser imensurável também, e não deve haver apego à virtude, pois a virtude não é um fim em si mesma, mas um meio para cessar o sofrimento.
Adiante no Sutra, Subhuti pergunta ao Insuperável se no futuro as pessoas que o ouvirem deverão ser recíprocos ao ensinamento, despertando à iluminação. O Perfeito o renega moderadamente abordando que depois de cinco séculos haverá uma fração diminuta que será sensível às suas palavras douradas, e as concebendo como verdadeiras. Diz que para esta possibilidade ser consumada, o plantio dos méritos não se dará por apenas poucos budas, mas sim com infinitos milhões. Todos que conseguem reconhecer seu ensino são vistos e reconhecidos pelo Perfeito, e obterão infinitos méritos pôr terem-no enxergado.
Buda continua a tecer seus comentários com seu discípulo, arguindo sobre o motivo daqueles que o enxergam serem desprendidos à conceitualização. Diz que as pessoas não devem se apegar à individualidade, e devem agir conforme o pregado na parábola da jangada, em que a virtude é descrita como objeto incumbido pela travessia entre as margens, e que logo em seguida de sua utilização deverá ser deixado em desuso, pois a partir do momento em que há uma insistência em usar o veículo como se fosse perene, em toda ocasião, deixaria de ser um objeto e passaria a se tornar um peso, que o faria mudar da condição de um meio para um fim.
Na sequência dos questionamentos propostos pelo Tathagata, perguntou ao Subhuti se tinha alcançado a suprema iluminação. O Venerável discípulo respondeu que em essência não existe tal fenômeno ipsis litteris descrito e também não há um fenômeno que se possa explicar como se fosse uma fórmula ou equação, pela razão da completude de um sábio se encontrar no que seja metafísico e não em fenômenos do mundo manifesto passíveis de descrição e condicionamento.
A próxima questão que o Perfeito remeteu a seu interlocutor da obra, foi: se uma pessoa doasse os Sete Tesouros e cobrisse uma extensão indescritível de tamanha quantidade da oferta realizada, obteria muitos méritos por conta da doação? A resposta foi afirmativa, pelo fato do mérito em si não poder ser tomado como uma distinção ou algum elemento que possa inflar o ego. O mérito, portanto, transbordaria a personalidade e se estenderia a um raio incalculável. Na continuidade do parágrafo cita que se apenas quatro ou mais versos deste sutra fossem transmitidos aos outros, os méritos seriam superiores aos que tivessem doado os referidos tesouros, pelo fato da suprema iluminação ter como ponto de partida este Sutra. Finaliza comentando que a descrição “Buddha Dharma” não pode ser considerada “Buddha Dharma”, abordando sutilmente que o alcance da iluminação é indescritível e incondicionado, então o fenômeno em si não pode ser descrito com as mesmas palavras.
Na sequência dos paralelos simbólicos instituídos pelo Perfeito, apresenta para o discípulo a indagação de que se houvesse uma pessoa com o corpo do tamanho do Sumeru tal pessoa seria grande. Subhuti respondeu de forma afirmativa dirimindo que a questão do corpo não é restrita ao orgânico, mas ao acúmulo de méritos que faz com que os bodhisattvas preencham o vazio dos fenômenos com a vastidão de méritos.
A próxima questão proposta foi em relação a possibilidade de haver tantos rios Ganges quanto os grãos de areia existentes no rio Ganges. Dentre esta causalidade, foi perguntado se os grãos de todos estes rios Ganges seriam muitos. A resposta foi afirmativa, pois haveria uma infinidade de rios, que se multiplicariam em números imensuráveis de grãos. Na sequência o Tathagata afirma, e ao mesmo tempo questiona, que se um bom homem ou uma boa mulher doassem os sete tesouros na proporção da quantidade dos grãos expressa, e cobrissem os três mil grandes milhares de mundo, obteria méritos. Shubuti responde de forma afirmativa. Para concluir esta parte do diálogo Buda diz que se alguém recebesse quatro ou mais versos deste Sutra, obteria méritos superiores ao anterior. Diz também que que os devas, humanos e asuras deverão fazer oferendas aos que recitam este Sutra, como se fizessem oferenda a um stupa de Buda. Diz também que quanto mais o discípulo se imbuir do conteúdo deste, mais próximo estará da suprema iluminação, e que onde este ensinamento puder ser encontrado, haverá um buda ou um respeitável discípulo, ou seja, quem estiver realizando a leitura deste, destrinchando seu significado, estará orbitando no profundo significado das palavras sublimes do Perfeito.
Após a exposição da dimensão infinita acerca da importância deste ensinamento, Subhuti questiona sobre a maneira de chamá-lo, assim como a maneira de guardar os seus profundos significados. Buda diz que deve ser chamado de Sutra da Perfeição da Sabedoria que Corta como Vajra, e desta maneira ser guardado. De forma muito sutil descreve que a “Perfeição da Sabedoria” não pode ser descrita como “Perfeição da Sabedoria”. Buda expressa que o ensinamento não é inteligível aos que abrirem esta página e realizar a leitura, se forem desprovidos da profundidade da exposição contida. 
Demonstra isto, quando comenta com o discípulo se falou sobre o fenômeno neste Sutra, e obteve uma resposta negativa. É como se quem não soubesse do significado do Dharma, lesse os versos do Sutra e não pudesse compreender absolutamente nada.
Buda realiza comentários a respeito da paramita da paciência, que é desprovido de conteúdo real. Disse que quando o seu corpo foi desmembrado pelo rei de Kalinga, não tinha a conceitualização de um eu, pois, se tivesse a percepção de perenidade, surgiria em si sentimentos de ira e ódio. Expressa que a ordem mental deve ser mantida, e que o fato de não contextualizar os fenômenos auxilia no desprendimento e na manutenção do equilíbrio. Cita que em suas vidas anteriores, já era um praticante da paciência, que o livrava dos enganos da conceitualização. Diz a Subhuti que a mente plenamente iluminada deve abandonar às denominações, e não deve fazer surgir os fenômenos na mente. Ratifica que a mente deverá ser sem abrigo algum, e por ventura se tiver alguma morada, será incorreta. Finaliza o parágrafo comentando que a dedicação aos méritos deverá ser incomensurável, porém a preocupação em definição do que quer que seja o conceito deverá ser abandonada, pois este é o mecanismo de cultivo de méritos e aproximação ao Supremo Caminho.
Tathagata fala ao discípulo que sempre expõe a verdade e que de forma alguma fala o que é falso ou errôneo. Diz que o fenômeno alcançado não é real e nem ilusório, pois a conquista obtida, quanto a perceber a Verdadeira Realidade não há como se evidenciar ou comprovar. Só poderá ser consumada pela própria pessoa orientada pelas virtudes do ensinamento, e jamais descrito com as palavras a um terceiro. Faz uma bela analogia que o bodhisattva preso às descrições dos fenômenos é equiparado a quem entra em um lugar escuro e nada pode ver, enquanto aquele que acumula mérito de forma desmedida e sem apego é como quem pode enxergar todos os tipos de coisas com uma mente iluminada.
O Tathagata acrescenta, suas exposições de ideias, que os ensinamentos compreendidos neste Sutra são para aqueles pertencentes ao Grande Veículo. Também cita que aqueles que são capazes de recebê-la, devem ter o compromisso de serem responsáveis por ela. E afirma que aqueles que se contentarem com o Pequeno Veículo, estarão no mesmo nível daqueles que se limitam a questões mundanas, com observações condicionadas, e pessoas que assim se portarem, estarão impossibilitadas da transmissão do Dharma.
Disse a Subhuti que onde houver este sutra, deverá ser reverenciado como uma stupa, pois o mesmo é digno de reverências. Disse que se algum bom homem ou boa mulher recebe-lo, este Sutra, mesmo que tenha percorrido transgressões em suas vidas passadas, percorrerão o caminho da Suprema Iluminação, pelo fato de ser fiel ao ensinamento. O Perfeito disse que antes de alcançar o mais profundo estágio da Verdadeira Realidade, ele serviu a uma quantidade infinita de Budas, mas que se uma pessoa no Período Final do Dharma, puder receber, manter, ler e recitar de memória este Sutra, obterá ainda mais virtudes do que ele teve.Na sequência Buda pergunta novamente à Subhuti se tinha alcançado o a suprema iluminação quando estava com o Buddha Dipamkara. O discípulo respondeu que pelo todo entendimento da doutrina, que tinha recebido, o Bhagavant não tinha alcançado nenhum fenômeno. A justificativa que Buda deu para não ter recebido nenhum fenômeno, foi pelo fato de Buddha Dipamkara ter profetizado que no futuro, o Bhagavant se tornaria Shakyamuni. Nesta descrição, se dá a impressão que a questão de uma denominação búdica, não deve ser interpretada como uma questão física observável, mas como um fenômeno da mente que não pode haver identificação, e que tem uma importância muito maior por sua potência do que a manifestação visível, pois, aquele que tem a compreensão da Verdadeira Realidade não tem a posse de nenhum fenômeno, deve manter o desejo intenso de oportunizar que outros seres viventes possam encontrar a via da iluminação.
Buda pergunta ao discípulo, de forma sequencial se Ele possui os olhos físicos, o Olho Divino, o Olho da Sabedoria, o Olho do Dharma e o Olho do Dharma. Todas as respostas de Subhuti foram positivas às questões. Buda é o único que consegue enxergar as questões sagradas do Grande Veículo e os fenômenos invisíveis, inerentes ao vazio, que as pessoas comuns não conseguem enxergar.
Após a descrição do poder do Olho de Buda, descreve sobre a mente. Disse que tem o poder de conhecer a mente, pois ensina que estas mentes são condicionadas, e todas possuem em si a não mente, que seria a possibilidade da percepção do vazio. Para esta realização, diz que a mente não pode ser restrita ao passado, presente e ao futuro, ou seja, a não mente é atemporal.
Buda fala para Subhuti que costumam associar que o Tathagata tem poder de libertar os seres senciente. Continua a falar que esta possibilidade não existe, pois se ele fosse capaz de libertálos, seria remetido a um eu, um indivíduo com período de vida delimitado. O Tathagata não é um ser vivente, e as pessoas comuns não são pessoas comuns, são chamadas de pessoas comuns. Este trecho é muito interessante por expressar que a Suprema Iluminação é incondicionada e que não é apenas o fenômeno do qual Shakyamuni foi acometido.
Buda continua seu discurso a Subhuti afirmando que um bodhisattva não aceita méritos pois a sua determinação é gera-los e não se apegar a eles. Disse também que se alguém especular sobre a origem do Tathagata assim como sobre o seu destino, não terá compreendido o profundo significado de seu ensinamento.
Prestes a finalizar o Sutra, o Bhagavat reforça as suas comparações demonstrando que os fenômenos não são substanciais como as pessoas afirmam ser, que os fenômenos manifestos são denominados pelas pessoas com as respectivas descrições atribuídas, assim o é para as partículas minúsculas, os três mil grandes milhares de mundo, entidade unificada, visão de um eu, de um indivíduo, ser vivente ou período de vida. Todas estas descrições são vazias, porém rotuladas pela mente das pessoas comuns.
Finalizando a pregação do Tathagata, volta a reforçar que aquele que conserva este Sutra ou apenas quatro versos, recebendo-o, mantendo-o, lendo-o, recitando-o de memória e transmitindo-o a outras pessoas terão méritos incalculáveis. E por fim, quando Subhuti o questiona sobre a maneira de transmitir este Sutra, responde que deverá sê-lo feito sem o apego à conceitualização, de uma forma imóvel como a Verdadeira Realidade. Justificou que esta procedência deve ocorrer por conta de os fenômenos serem condicionados, como as sensações, as formas visíveis e os fenômenos da natureza. 
Este Sutra também é conhecido como o Sutra do Diamante. Como muitas vezes citado, este ensinamento contém muito mais valor do que todas as joias do universo, mas só pode ser enxergado por aqueles que obtiverem os Olhos de Buda. Enquanto não ser visto por quem tenha esta condição, o livro impresso não terá valor algum, assim como o Dharma. E quem o obtiver nada vai possuir, pois seu valor intrínseco é preparar aquele que o acessa a transmiti-lo para quem estiver na busca da Suprema Iluminação.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Qual a importância de buscar a espiritualidade nos dias atuais?

Quando fazemos uma reflexão a respeito da importância de termos uma religião, dificilmente deixamos de considerar o que os familiares ou amigos dizem: É preciso acreditar em alguma coisa!
Este é um dos primeiros elementos que nos inclina a selecionar algum grupo religioso e geralmente são demandados por conta de doenças, dificuldades financeiras e de relacionamentos sociais.
Como grande parte dos problemas que enfrentamos são reversíveis, no instante que os mesmos são sanados são atribuídas às divindades a solução derradeira do que foi superado. Algumas pessoas se tornam tão gratas com a sequência feliz dos fatos sucedidos que, em nome da resolução obtida, criam vínculos com as supostas "forças" que acreditam terem operado a seu favor. Assim como, também, tantos outros logo após finalizarem com "êxito" o seu "pedido" desfazem o elo evocado para a obtenção da graça, deixando as práticas realizadas para o último plano.  
Mas será que a espiritualidade é apenas uma necessidade do homem em acreditar em algo ou ainda uma maneira eficaz de se obter coisas?
Infelizmente, a cada dia que passa a sociedade responde positivamente esta questão. A espiritualidade se torna um mero apetrecho que as pessoas devem ter de forma social, de uma maneira bastante ponderada e de preferência que o seu sentido doutrinário mais profundo seja inexequível, pois se houver uma busca pela realização do ensinamento apreendido, o devoto não será bem visto e será tido como radical. Um religioso que interpretar o seu livro sagrado de uma maneira consciente e convicta, verá o seu círculo de amizade se afastar como o desembocar das ondas.
Para a superação das diversas questões materiais que nos dizem respeito, a ciência e as diversas ferramentas do mundo secular poderão resolvê-las. Quem tiver uma doença e for cuidadoso com a sua saúde, poderá encontrar meios adequados para extirpar a sua moléstia. Quem se dedicar ao trabalho e produzir com muita disposição, poderá reverter suas dificuldades financeiras e se tornar até mesmo uma pessoa próspera. Quem tiver dificuldades de relacionamento, se tomar nota de suas características hostis avessas a formação de vínculos, poderá se inclinar a uma mudança gradativa e tornar-se uma pessoa agradável. Todas estas situações tem em comum a condição do indivíduo conseguir reverter seus problemas mais proeminentes por seus próprios esforços.
Pois bem, indo adiante no raciocínio a respeito da importância da busca pela espiritualidade, temos algumas considerações importantes a fazer.
O indivíduo que procura ensinamentos que sejam coerentes e tenham um cunho de tradicionalismo, passa a conviver mais com referências que o estimule a reflexão de seus limites. É muito mais importante estar atento às coisas que fazemos, à disciplina que temos diante das obrigações, do que criar rotinas que privilegiem as orações sem uma fundamentação coesa com a realidade vivida. A religiosidade viva passa a ser "exalada" quando o praticante reflete suas boas intenções em seus gestos, palavras e ações. Mas esta obstinação não deve ter o intuito de ostentar uma pessoa exemplar, deve ser uma conduta que vise a melhoria do próprio indivíduo, em relação a ele mesmo. O tempo em que a pessoa fica reclusa em oração ou estudo não são parâmetros para refletir a concretude e bondade de suas realizações. 
Nestes últimos anos temos percebido uma série de transformações nas relações sociais, e se perdermos o foco de questões sagradas, temos o risco de ficarmos submersos aos aparatos que a sociedade atribui como prioritários. Dentre as mudanças que percebemos não podemos deixar de estarmos revestidos de valores, pois a busca pela aceitação dos diversos grupos que estamos inseridos, nos faz perder a capacidade de reflexão.  
Quem conseguir enxergar a espiritualidade descontextualizada de interesses, poderá se aproximar mais do sentido contemplativo proposto por uma doutrina. A vida não é composta apenas por religião e filosofia, mas sem a presença de ambas, o sentido mais sagrado de nossa existência deixa de ser compreendido.
O caminho para auto-realização tem o seu elevado valor por si mesmo, mas como os seres humanos são arrastados somente por coisas que podem ser quantificadas e qualificadas, vivem, conforme cita o Buda no Sutra do Lótus, uma vida insignificante do ventre ao cemitério.